No caso do Brasil, cujas classes dominantes se formaram no escravismo com uma postura socialmente irresponsável com às classes subalternas e, sobretudo, às oprimidas, cristalizou-se uma estrutura social cruamente desigualitária que gera enormes tensões, dificultando ao extremo a conciliação de classes. Embora os conflitos raciais sejam menores que em outras partes, a distância social que separa ricos e remediados dos pobres e, principalmente, dos miseráveis, não podia ser maior.Não cabe aqui nenhuma instituição democrática ou dignificadora. Todos sabem que a igualdade perante a lei é uma igualdade dos pares, que são os patrões e os patrícios e, no máximo, a "gente boa" dos setores intermédios; que ela dificilmente se aplica à subgente subalterna e jamais à não-gente marginalizada.
Por tudo isto, a preocupação fundamental das classes dominantes é a manutenção da ordem. Ontem, elas sabiam que uma revolta de escravos, que se expandisse, desencadearia ódios que fariam sangrar toda a sociedade, destruindo as bases da convivência social. Hoje elas temem que, caso as classes subalternas cheguem a expressar as próprias aspirações, se torne inevitável sua própria erradicação do comando da estrutura de poder e talvez também do papel de gestores do sistema econômico. Mais ainda, porém, elas temem uma rebelião das classes oprimidas que desataria agravos secularmente contidos, capazes de colocar em xeque toda a estrutura social.
Uma classe dominante desvairada por estes temores mortais só tem uma preocupação obsessiva que é a da ordem a qualquer custo. Ela sabe perfeitamente que as classes subalternas apenas aspiram a uma melhoria de suas condições de vida e de trabalho e oportunidades de ascensão social para seus filhos, através da educação; e que as classes oprimidas apenas reivindicam o simples direito ao trabalho regular como assalariados. Estas singelas aspirações e reivindicações poderiam, obviamente, ser atendidas, desde que a estrutura de poder redefinisse algumas de suas diretrizes básicas, como o monopólio da terra, a espoliação estrangeira e a precedência absoluta dos interesses privados sobre o bem comum. Estas inovações só representariam perdas de riqueza, poder e privilégios para certos setores, sobretudo os mais arcaicos. O que impede, porém, a reordenação política que corresponderia aos objetivos do que seria uma "burguesia nacional progressista" é o caráter monoliticamente solidário de toda a classe dominante. É o temor co-participado por todos os privilegiados de que, uma vez aberta a ordenação social à redefinição, eclodiria um processo revolucionário incontrolável, conducente ao socialismo.
Assim se verifica que, paradoxalmente, no plano ideológico, as classes dominantes construíram uma consciência de classe correspondente à sua oposição irredutível à ameaça virtual de uma revolução socialista. As classes dominadas, porém, estão longe de construírem sua própria consciência de classe correspondente ao desafio histórico de se fazerem os construtores de uma sociedade socialista.
(in, Os Brasileiros: 1. Teoria do Brasil - editora Vozes, 7ª edição - 1983, p. 98/99)
In memoriam, Darcy Ribeiro
Postado por: http://www.nlcp.hpg.ig.com.br/socialismo.htm
2 comentários:
Pelo visto semestre passado você só foi nas aulas de Teoria Política! Não aprendeu nada na Teoria e Análise das Relações Internacionais? Fala de superavit e divida externa!
Pode deixar , caro amigo! Nas próximas postagens tentarei tratar deste tema tão espinhoso para o Brasil!
Abraço e obrigado pela visita!
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