domingo, dezembro 07, 2014

“Dotô-vereador”



Esta semana, assisti pela manhã a uma sessão da câmara de vereadores e fiquei mais uma vez estarrecido com a péssima qualidade da nossa representação. Só mesmo um processo eleitoral tão viciado e absorvido pelo poder econômico pode explicar essa fragilidade parlamentar. Efetivamente, nossos cidadãos padecem e merecem algo minimamente mais qualificado.

E o que me indignou novamente foi ver um vereador, que ostenta à frente de seu nome o título de “doutor”, subir à tribuna para bradar sobre seu descontentamento com alguns de seus pares que insistem em denunciar a baixa atividade legislativa neste mês. Ora bolas, o vereador-doutor considera um absurdo que alguns de seus próprios colegas exponham a imagem da Casa com afirmações, ainda segundo ele, descabidas. Parece que dotô-vereador que alega trabalhar muito, “por vezes até nos finais de semana” como fez questão de frisar, não faz nem ideia do que é a labuta de um brasileiro não dotô. E emendou: “eu mesmo senhores, muitas vezes estou no gabinete preparando meus discursos para um bom debate”. Com isso, fui forçado a acreditar que mesmo com uma dúzia de assessores é ele quem escreve seu próprio discurso, afinal, apenas um vereador dotô seria capaz de produzir uma fala tão descabida como a proferida na sessão em questão. Justificar sua improdutividade por estar escrevendo uma lauda de discurso é um escárnio com os eleitores da cidade, ou não é?

A atitude reinante naquela instituição é a do corporativismo, da defesa de privilégios, da demolição completa da legitimidade do Poder Legislativo tão importante para a defesa da cidadania. 

Infelizmente para nós, meros mortais, os que deveriam nos representar pensam que nos fazem favores. Não compreendem que a atividade parlamentar deve ser um sacerdócio e somente aqueles dispostos a tal comprometimento deveriam assumir suas cadeiras. É estarrece dor que contrariando todo sentimento público, as atitudes que falam mais alto para a maioria daqueles parlamentares são a arrogância, a prepotência e completo desprendimento com as populações que lhes elegeram.

O discurso entediante e medíocre do “dotô-vereador” foi além: continuou, avançou e depois de muito palavreado, em que ele se apresentava como vítima de uma excessiva cobrança social e do complô daqueles que ousam denunciar sua inépcia, eu juro que já não me aguentando na cadeira fiquei com medo de vê-lo lançar uma campanha pela redução da sua jornada de trabalho.

É isso que dá colocar “seu dotô” pra ser vereador.

*Por Everton Gomes – Servidor público, mestre em Ciência Política e ex-assessor de vereador que acha que é dotô.