A imagem emoldurada na charge
"pm pacifica mais um" seria cômica caso não retratasse o arbítrio e
violência com que o Estado conduz a política de segurança. O desenho nos revela
um indivíduo negro, trajando vestes simples, aparentemente jovem, deitado em
decúbito frontal, com manchas de sangue escorrendo ao seu redor num plano. No
outro plano, um indivíduo branco, idade jovem, fardado, falando ao celular o
seguinte: "Governador, pacifiquei mais um". É nítida referência às
ações promovidas pela Polícia Militar nas áreas ditas pacificadas pelas UPP's.
A charge é um recurso de
comunicação visual que busca apresentar uma crítica de forma hilariante.
Todavia a imagem é chocante e, tamanha violência não deve ser naturalizada
jamais. Lógico que o problema aqui não é do artista. Não é isso. O problema
aqui possui raízes mais profundas, na lógica militarista, no belicismo
descontrolado da polícia, num país desigual e injusto, nas amarras étnicas e
sociais que perduram até os dias de hoje.
Os personagens mostrados são os
de sempre: jovens, negros e pobres. E como o tema é a segurança, a pimenta é o
PM. O território também é recorrente - a favela carioca. Quantos roteiros
cinematográficos foram para as telas denunciando isto? E notícias de jornal,
quantas diariamente? Será que isto não muda nunca?
Já realizei algumas considerações
sobre o tema ‘Segurança Pública’ em episódios anteriores, mas, não custa
continuar na luta.Afinal como diz a propaganda: sou brasileiro e nunca desisto.
Um eminente professor e
sociólogo, amado por uns, odiado por outros, disse uma vez, em minha presença,
que a Segurança Pública no país é ineficaz, pois padece de um grande mal
promovido pelo pacto silencioso entre a esquerda e a direita. Afinal, dizia eu,
do que fala este louco? O tal pacto diz respeito à forma como cada um destes
segmentos políticos observam e atuam sobre tal temática.
A direita enxerga a segurança
como o fio condutor de seus interesses econômicos e sociais. Econômico, pois a
polícia é a grande protetora do patrimônio dos ricos e abastados, seu cão de
guarda. Social, pois também este aparato protetor atua reduzindo e impedindo os
miseráveis de se amotinarem contra as lógicas sociais que lhes impõe a elite
dominante. Ou seja, para a direita, a segurança deve continuar como está,sem
alterações, aliás, pode sim ser alterada sempre agindo de forma mais repressora
e violenta, claro desde que isso funcione contra os pobres e favelados.
Já a esquerda se mostra ineficaz.
Omissa! Recrudescida nos seus fantasmas do passado. Aprisionada sob a lógica da
polícia enquanto aparato do regime militar que a prendeu e torturou. A esquerda
se esquece da segurança nos seus programas de governo, a trata sempre de forma
tangencial e filosófica, perde espaço. Deixa de fazer a segurança apenas
atuando na lógica da sublimação ideológica. A esquerda deve deixar de se
omitir. É mister que entre em campo e concretize ações novas, com viés
progressista.A sociedade precisa desta contribuição urgentemente.
Precisamos, em nosso país, de uma
série de reformas. Uma delas - e isto não exclui as demais - é a reforma da
polícia. Talvez muitos não tenham atentado, mas após 1988 as instituições
sofreram mudanças e se adequaram na maior parte das vezes ao regime
democrático. A polícia, pelo contrário, continua inscrita na mesma lógica
autoritária que consumou o golpe civil-militar no país. Precisamos rever isto
já.
Sabe-se que a polícia continua
usando métodos atrasados de investigação, promovendo violência quando deveria
proteger, torturando, matando, etc. Quando seriamente este lastimável quadro
será revisto de uma vez por todas? Só a sociedade pode pressionar neste
sentido.
A corrupção deve ser combatida, a
política remuneratória e de associação classista, repensada. A lógica de
formação e qualificação deve ser reformada. O debate de outros temas como
políticas de redução de danos em relação à droga, educação, redução de pobreza
e desigualdade são, também, fatores externos que devem permear a mudança
estrutural brasileira e que vão auxiliar a melhoria da ação de segurança
pública. Espero que muitos outros venham somar nesta luta que visa construir um
país melhor para esta e futuras gerações de brasileiros.
@Everton_Gomes , Inspetor de Polícia Civil, Mestre em Ciência Política e
Bacharel em Direito, estudante do Programa de Especialização em Segurança
Pública, Cultura e Cidadania da UFRJ além de Diretor do
Sindicato dos Policiais Civis do Estado do Rio de Janeiro (SINDPOL-RJ)
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